O "HABEAS CORPUS"
RECURSO OU AÇÃO?
O Habeas Corpus se acha intrínseco no Código de Processo Penal entre os recursos, no entanto, a doutrina na sua quase totalidade o considera uma ação.
O "recurso" de Habeas Corpus, por sua natureza jurídica, presume decisão judicial não transitada em julgado. Entretanto, "o Habeas Corpus pode ser impetrado contra decisões transitadas ou não em julgado"[1]. Dessa forma, entendemos que a melhor definição para o "remedium juris", seja mesmo a ação.
Entrementes, embora em nossa opinião, entendemos ser o Habeas Corpus, pelo seu alcance, uma verdadeira ação. Não aceitam os julgadores, através da jurisprudência, e a maioria dos doutrinadores, através da doutrina —embora o aceitem como ação— a discussão de mérito. Quer-nos parecer, que dada a celeridade que deve ter o remédio para curar a doença, tem os doutos certa razão, entretanto, quando se trata de "mérito" envolto em provas irrefutáveis, ou seja, uma nulidade processual, que embora absoluta, exige um exame mais aprofundado de todo o feito. Assim desde que o pedido do Habeas Corpus traga em anexo todos os documentos necessários para provar a alegação, não tem porque não apreciá-lo.
É pacífico o entendimento que em Habeas Corpus não se discute mérito, entretanto, muitas vezes, para se mostrar uma nulidade processual, que desfigura completamente, tanto o processo como a sentença, é necessário, entremear o meritum sutilmente com a demonstração da nulidade propriamente dita. Pois na maioria das vezes, muito embora a nulidade que se quer mostrar, seja absoluta e visível a olho desarmado, a ordem é denegada. Pergunta-se! Será que os Juizes estarão desaprendendo? É claro que não! Porém os impetrantes pecam em sua maioria, primeiro, por não atacar desde logo a nulidade que se quer anular, e segundo, muitas vezes, para agradar o paciente (quando cliente), fazendo um pedido escalafobético,[2] por exemplo pedir liberdade provisória, quando se sabe de antemão que o paciente, não tem esse direito por lei. Pedir pode, evidentemente, todos podem. Agora, se de antemão já se sabe que se trata de um pedido inútil, por que misturar, a razão (nulidade) e o coração (pedir, por exemplo liberdade provisória para multirreincidente), é essa misturação que acaba por tornar o pedido mau-formulado e gerando, dessa forma, informações, equivocadas por parte da autoridade coatora que informa, via de regra, tão somente a respeito do pedido do coração, sem dar muita importância à razão. Por isso deve-se repetir, sempre, o pedido no final da impetração, como o demonstraremos adiante com alguns exemplos básicos.
Em nosso entendimento, a arte da impetração, evidentemente, não está no cotidiano, mas sim, nas novas discussões. Sobre o que é ou não violência, sobre o que é ou não coação, sobre o que é ou não constrangimento, sobre o que é ou não nulidade. À medida que os tempos vão se modernizando, novas fórmulas vão surgindo, novos costumes vão se firmando na sociedade. É necessário que as leis também se adaptem à modernidade.
Embora os legisladores não o aceitem, em nossa modesta opinião, não são eles que criam as leis. Notadamente no Brasil, as leis, geralmente surgem depois que a jurisprudência se torna pacífica a respeito de alguma forma de vida em sociedade, e, uma vez adaptada à sociedade, força os legisladores a "criarem" uma norma para aquele costume, para que se torne igual para todos. Assim, em nosso humilde entendimento as leis são criadas em cima da jurisprudência. A mesma coisa ocorre com a doutrina. Assim, entendemos que a jurisprudência é a fonte de todas as normas que regem o comportamento social.
Nos dias de hoje, é difícil, encontrar-se nas dependências policiais, presos em situação irregular. Ainda existem, porém, é bem mais difícil. Houve época em que os Habeas Corpus de nada valiam. Entravam por uma porta, e o preso (paciente) era retirado por outra. Técnicas apuradas, da época da ditadura de Getulio e que "outros" tornaram de aprimorar — nós somos uma prova viva desses métodos.
Via de regra, nos dias atuais a autoridade coatora, em sua grande maioria, é o juízo criminal, ou outra autoridade judiciária (Tribunais etc.). Houve tempo em que era comum a autoridade coatora ser os agentes da Secretaria de Segurança Pública (delegados de polícia etc.). Estas autoridades, no entanto, acabaram por descobrir uma fórmula, infalível, para que as ordens de Habeas Corpus deferidas, nunca encontrassem o paciente naquelas dependências policiais contra quem se havia impetrado a ordem.
Normalmente a ordem entrava por uma porta e o paciente saía por outra. Mas, não saía para a liberdade. Era transferido para outro distrito policial, ou por vezes, ficava andando de camburão, até que o encarregado deste recebesse a ordem para voltar ao distrito policial. Em outras palavras, o preso não existia. E, mesmo a família sabendo que seu ente querido estava preso naquela delegacia, nenhum habeas corpus era cumprido, mesmo acompanhado por Oficial de Justiça, o popularmente denominado "busca e apreensão em diligências"
Certa vez, no ano de 1976, mais precisamente no D.O.P.S. paulista, um cidadão — o autor —, preso para averiguações (suspeito de ser subversivo, pela distribuição de panfletos contra o governo da época), mesmo sem se ter conseguido provar nada contra ele, apesar de ter passado por todos os tratamentos de "extração" de verdades (pau-de-arara, cadeira do dragão, eletromagneto (choques elétricos), socos e pontapés etc.), não poderiam, evidentemente, liberar o cidadão, como fazê-lo, se este se encontrava em estado de coma. Definitivamente não era possível a sua liberação. A polícia deu um jeito de não liberar o cidadão, isso depois de uns dois meses. Antes disso, foram impetrados cinco (5) pedidos de habeas corpus em favor desse paciente e nenhum logrou êxito, pelo fato de nunca ter encontrado o paciente, preso naquelas dependências policiais. Só que o paciente, — salvo uma vez, que havia sido removido para o DOI-CODI, acredita-se para reconhecimento — nunca saiu de lá, até ser removido em definitivo para a Casa de Detenção de São Paulo, ainda que não tivessem conseguido provar nada, conseguiram forjar alguns inquéritos, (daqueles onde não há reconhecimento, o caso de furto, etc.).
Era, nos ensinamentos de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "o poder legal"[3] que apadrinhado politicamente, poderia usar de "seu" poder abusivamente.
Era necessário, destarte, acionar o "poder que controla o poder", ou seja o Poder Judiciário. E para acioná-lo, era preciso usar o remedium extraordinarium, que, em verdade, nestes casos, (prisão em flagrante, prisão para averiguações, prisão provisória, prisão cautelar etc.), muito pouco funcionava. Diríamos que a doença era crônica e que o "remédio" já não funcionava. O "remédio" só funcionava, na realidade, quando já era muito tarde, ou o judiciário decretava a prisão preventiva, ou o que era mais estranho, sobrevinha condenação, em acelerado procedimento, o que não é, convenhamos, muito comum, e mesmo assim quando o paciente era removido para a custódia do Poder Judiciário.
Houve época, em que as violações eram tantas, e o efeito do remedium extraordinarium nenhum, que se Rui fosse vivo, com certeza morreria de vergonha. Foi Rui Barbosa, que inovando os estilos forenses de sua época, reformulou o habeas corpus, introduzindo-o, inclusive, na Constituição com redação sua e, aceita por unanimidade já que não foi feita nenhuma reparação. Na realidade na Assembléia Constituinte, à sua redação, não foi feita nenhuma emenda nenhum reparo quer em plenário ou fora dele. Provado está que a redação que lhe dera Rui era a definitiva e que perdurou até 1988, quando foi alterada a redação, mas não seus objetivos. Entretanto, sua eficácia, nos dias atuais, ainda deixa a desejar.
Ao se impetrar um habeas corpus a respeito de determinado assunto, algum fato que o impetrante acredite, que o paciente, em favor de quem está sendo feita a impetração, esteja sendo coagido, constrangido, prejudicado no seu sagrado direito de ir e vir etc., ou mesmo que esteja prestes a sofrer esse "prejuízo". Cabe ao impetrante, demonstrar aos doutos, onde está o prejuízo, mesmo porque, é pacífico o entendimento de que se não for argüido pela defesa eventual nulidade, não cabe ao julgador ou ao representante do Ministério Público argüí-la, ocorrendo ou por ocorrer. É daí que saem as obras de arte; primeiro, pelo fato mostrado que levou à discussão pelos doutos; segundo, pelo resultado da discussão que gerará a jurisprudência, não importando, se favorável ou contrária. O que na realidade importa é a tese que se levantou, e se hoje, pode parecer, até por que não dizê-lo, descabida, no futuro, muito se discutirá a respeito do mesmo tema. Entendemos, que o fato da jurisprudência, ser favorável ou não, é de somenos importância, pois ao impetrante cabe justificar a impetração beneficiando o paciente aos doutos cabe discutir o fato apresentado e decidir se é ou não passivo da concessão da ordem. Entretanto, muitas vezes, se mostra um fato, desfigurativo de um processo, mas este e tão mal-mostrado que termina por desfigurar a própria impetração. Por isso, entendemos, que a forma como é mostrado o fato que se quer ver anulado é que leva à discussão e que advirá em jurisprudência, favorável ou contrária à tese discutida. E, aí vai muito da forma como é impetrada a ordem, ou melhor como é exposto o prejuízo sofrido ou por sofrer. Em nossa opinião, se bem exposado, sem dúvida, será uma obra de arte, pois gerará um filho em forma de jurisprudência que é o alimento dos doutrinadores e dos legisladores.
O Texto acima faz parte da obra "O Habeas Corpus - Quando, Como e Onde Impetrar" de minha autoria, publicada pela EV Editora (Edições Julex)
[1] TOURINHO Filho, Fernando da Costa, - Prática de Processo Penal - Editora Jalovi, 1986 - pág. 392
[2] VIANA, Jorge Candido S.C., - Dicionário do Advogado - E.V. Editora - 1994 - Edições Julex
[3] FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves, Revista de Informação Legislativa, a. 21 nº 84, out/dez, 1984 - pág. 82
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